Serguei Iesenin (1895 - 1925) é um dos poetas mais emblemáticos do "Século de Prata" da cultura russa.
"Século de Prata" - é um termo que define um movimento cultural russo do ínicio do século XX, onde figuram também Block, Akhmatova, Maiakovski, Tsvetaieva, etc.
Nasceu numa família simples de agricultores do interior da Rússia, "um menino de ouro", um rapaz inocente com cabelo louro e olhos azuis. Iesenin teve uma vida dificil, trágica e muito controversa. Era sem dúvida um Poeta, com grande talento, com muitas desilusões, sempre à procura de algo que nunca encontrou. Bebeu muito, era conhecido como um desordeiro, mas ao mesmo tempo um romântico. Veio para as grandes cidades à procura da Verdade, da Cultura. Nunca as encontrou.
Foi casado com a famosa bailarina, Isadora Duncan, uma mulher muito mais velha que ele, tendo uma relação muito problemática, com muitas viravoltas, que marcou toda a sua vida e toda a poesia de Iesenin.
E "suicidou-se" (versão oficial soviética) pouco depois de escrever este poema, "Homem Escuro". O poema foi escrito já no periodo mais dificil da sua vida, no periodo de alcoolismo grave, no periodo de desilusao com todos e em tudo, no periodo final... É um diálogo entre o autor e a sua alma - O Homem Escuro (negro, obscuro), que diz a Iesenin toda a verdade sobre ele próprio...
Acredito, que um Homem Escuro vive em cada um de nós... Sabe muito bem que a nossa alma e a nossa mente são tão frágeis, tão quebradiças... Apresento-vos o vosso velho amigo - O HOMEM ESCURO - que como o autor um dia podemos encontrar dentro de um qualquer espelho na solidão da noite.
A tradução do poema é nossa, não é literária, não mantemos nem rima nem ritmo, pois tentamos ao máximo exprimir o sentido trágico do poema sem adulterar as suas palavras.
Homem escuro.
Amigo meu, amigo meu,
Estou muito, mas muito doente.
Nem sei de onde veio esta dor.
Ou o vento assobia
Sobre um campo vazio e abandonado,
Ou, como sobre um bosque em Setembro,
O álcool cai sobre a minha mente.
A minha cabeça abana as orelhas,
Como um pássaro as asas.
Ela está cansada de abanar
No pescoço da minha perna.
Homem escuro,
Escuro, escuro,
Homem escuro
Senta-se na minha cama,
Homem escuro
Não me deixa dormir a noite toda.
O homem escuro
Passa o seu dedo no livro nojento
E com a voz nasalada fala por cima de mim,
Como um monge em cima do morto,
Lê-me sobre a vida
De algum canalha e bêbado,
Trazendo tristeza e medo à minha alma.
Homem escuro
Escuro, escuro!
"Ouve, ouve, -
Resmunga-me ele, -
Há muitos pensamentos e planos lindíssimos
Neste livro.
Este homem
Vivia num país
Dos mais nojentos
Rufiões e charlatões.
Em Dezembro neste país
A neve é infernalmente limpa,
E as nevadas trabalham
Com as rocas alegres.
Este homem era aventureiro,
Mas do mais alto e melhor
Gabarito.
Ele era elegante,
Ainda para mais – um poeta,
Embora com pequena força,
Mas com garra,
E chamava a alguma mulher, **
De quarenta anos e tal,
A sua “malandra”
E “querida”.
Felicidade, - dizia ele, -
É vivacidade de mente e mãos.
Todas as almas desajeitadas
São sempre conhecidas como infelizes.
Não faz mal,
Que gestos quebradiços
E falsos
Tragam muita dor.
Durante trovoadas e tempestades,
No frio da vida mundana,
Com as perdas difíceis
E com a tristeza,
Parecer sorridente e simples -
Este é a mais alta arte do mundo".
"Homem escuro!
Tu não te atrevas!
Tu não és um padreco
De igreja.
O que é que eu tenho a ver
Com a vida de um poeta escandaloso.
Por favor, lê e conta isso
Aos outros".
O homem escuro
Olha fixo para mim.
E seus olhos cobrem-se
Com vómito azul, -
Como se ele me quisesse dizer,
Que sou um vigarista e ladrão,
Que sem vergonha e imprudentemente
Assaltou alguém.
. . . . . . . . . . . .
Amigo meu, amigo meu,
Estou muito, mas muito doente.
Nem sei, de onde veio esta dor.
Ou o vento assobia
Sobre um campo vazio e abandonado,
Ou, como sobre um bosque em Setembro,
Cai sobre a minha mente o álcool.
Noite fria.
O sossego da rua está calmo.
Estou sozinho à janela,
Não espero nem por visitas nem por amigos.
Toda a planície está coberta
Com cal mole e solta,
E as arvores, como cavaleiros,
Juntaram-se no nosso jardim.
Um pássaro nocturno sombrio
Chora em algum lado.
Os cavaleiros de madeira
Plantam estrondos de cascos.
Outra vez este escuro
Se senta no meu sofá,
Levantando a sua cartola
E descuidadamente ajeitando a sua casaca.
"Ouve, ouve! -
Grasna ele, olhando para minha cara,
E inclina-se para mais perto
Cada vez mais perto. -
Nunca vi nenhum
Dos patifes
De forma tão estúpida e desnecessária
Sofrer de insónias.
Ah, digamos, estou enganado!
Hoje, é o luar afinal.
De que mais precisa
Um mundeco cheio de sono?
Talvez, “ela” com coxas gordas
Virá secretamente,
E tu vais recitar
A sua lírica morta e lânguida?
Ah, eu gosto de poetas!
É gente engraçada.
Sempre encontro neles
Uma história, conhecida ao meu coração, -
Como um monstrengo cabeludo
Fala sobre universos,
Transpirando com langor sexual,
Com uma estudante cheia de borbulhas.
Não sei, não me lembro,
Numa aldeia,
Talvez em Kaluga, ***
Ou talvez em Riazan,
Vivia um rapaz
Numa família simples de agricultores,
Com cabelo amarelo,
Com olhos azuis...
E depois ele ficou adulto,
E ainda para mais, um poeta,
Embora com pequena força,
Mas com garra,
E chamava a alguma mulher,
De quarenta anos e tal,
A sua “malandra”
E “querida”.
"Homem escuro!
Tu és uma péssima visita.
Já há muito que esta fama
Se espalha sobre ti".
Estou raivoso, zangado,
E a minha bengala voa
Directamente ao seu focinho,
À sua cana do nariz...
. . . . . . . . . . . . .
... A lua morreu,
A madrugada está azul na janela.
Ó, noite!
O que é que tu, noite, fizeste?
Eu estou com uma cartola.
Não há ninguém comigo.
Estou sozinho...
E um espelho partido...
14 Novembro 1925
** fala-se de Isadora Duncan
*** aguí e na linha seguinte - nomes de distritos da Rússia
Bem, recomendamos que depois de ler este poema, vão ver esta interpretação magnífica por um actor russo, Serguei Bezrukov. Vale mesmo a pena:
http://www.youtube.com/watch?v=BpLRplbF5ek
25/03/10
Serguei Iesenin - Homem Escuro
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